Antes de começar a praticar corrida de rua, eu era incapaz de pensar em planos de longo prazo. Perdi shows incríveis, peças de teatro e outros eventos porque os ingressos deveriam ser comprados com meses de antecedência. Meu estômago se contorcia só de imaginar que, no dia específico, eu poderia ter algo mais interessante – e me esquivava de compromissos desse tipo. Só me imaginava presa dessa forma em agendamentos profissionais. Com tantos anos dedicados à área financeira, os comprometimentos com prazos inadiáveis era uma constante e eu buscava equilibrar essa rigidez deixando os compromissos pessoais mais leves.
Aos quarenta anos, descobri a corrida de rua. Ali eu tinha o vento no rosto, o descompromisso de vagar pelas ruas de cidades por todo o mundo. Uma liberdade que eu ansiava. Encontrei na corrida também uma ferramenta que testava meus limites. Saía da minha zona de conforto física e emocional. A cada melhora de performance, eu queria mais. E isso me levou para as maratonas e outras provas de longa distância. Foi quando eu descobri que para ser livre você também precisa de um plano.
Correr uma maratona é um compromisso de quase um ano, entre a escolha da prova, o processo de inscrição, o treinamento e o grande dia. Lembro que para me inscrever na primeira maratona liguei e desliguei o computador várias vezes e só efetivei o pagamento após alguns dias de muita hesitação. Pronto! Eu tinha uma meta ou, para alguns, um propósito. Tão longe dos meus olhos que parecia ser mais fácil alcançar o infinito.
Foi assim que mergulhei em um longo e complexo túnel de aprendizado. Claro que já trazia a bagagem profissional dos planejamentos, mas nada do que se sucedeu naquelas semanas poderia ser comparado aos budgets, forecasts e tudo mais com que eu estava acostumada. A máquina central era o meu corpo e a minha mente. Ela deveria ser alimentada com os recursos muitas vezes intangíveis que me levariam a cruzar o então sonhado Portão de Brandenburgo.
Toda semana, eu reunia os resultados do período anterior e me preparava para uma nova etapa de superações. Sabia que existia um final, mas vivia até o limite das luzes que meu farol interior conseguia me mostrar, sem me esquecer de onde queria chegar. Sim, como se estivesse guiando um carro em um túnel longo e muito escuro.
Corri sete maratonas e, mesmo com toda a experiência, essa sensação nunca mudou. Mas eu mudei. Como se cada uma delas fosse um novo e desconhecido túnel e a máquina que eu carregava fosse mais forte. Foi me aventurando pelas incertezas que vivi as mais incríveis oportunidades de crescimento.
Assim me vi em 2020. Desejos infinitos no Reveillon, mas veio março… Fui colocada em um túnel escuro, dos mais longos e intermináveis. Como na maratona, acendi meus faróis e segui planejando até onde eles iluminavam. Às vezes mais potentes, mas, em alguns dias, mais cansados, quase queimados.
Foram dois anos de desafios intensos que limitaram minha entrega à corrida. Além do isolamento, quando cada um de nós foi desafiado de forma diferente, entrei dois novos obstáculos.
O primeiro foi a fratura do meu pé. Um pedaço milimétrico, de menos de um centímetro, resultou em uma parada de mais de um ano. Nesse período de recuperação, descobri a natação. Um mundo novo se abriu. Um esporte que não foi capaz de me exaurir e testar meus limites como a corrida, mas me levou a um estado de plenitude e medição sem igual.
Quando pensei ter encontrado na piscina o lugar ideal para a minha recuperação, a nova surpresa: o câncer. Foi assim que recebi 2022. Sim, no primeiro momento é assustador, mas mais uma vez o treinamento da superação que aprendi com as maratonas me deu suporte para continuar. Foi de lá que tirei força. Quer saber como? Sempre que eu fecho os olhos visualizo um único o pórtico onde está escrito coragem!
Foi a coragem de viver a dor, sentir medo, acreditar, inovar, planejar e replanejar, agir, assumir riscos, cair e levantar, reestabelecer dentro de um novo cenário.
Todos os atributos que a maratona me ensinou para alcançar a linha e chegada.
Passou rápido e aqui está o novo túnel: Londres!
Te convido a fechar seus olhos e desenhar seu pórtico.
Qual é a sua linha de chegada?
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